O ensino público e os deveres da União

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Do Estadão

O Congresso não apenas faz leis. O trabalho legislativo pode também ser decisivo para que as leis já aprovadas sejam cumpridas. Foi o que se viu recentemente com o Projeto de Lei (PL) 3.477/2020, que dispõe sobre acesso à internet na educação básica pública. Ao derrubar o veto integral do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei, o Congresso fez cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/1996).

Aprovado pelo Congresso em fevereiro deste ano, o PL 3.477/2020 dispõe sobre a assistência da União aos Estados para a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e aos professores da educação básica pública. Em concreto, o texto determina a destinação de R$ 3,5 bilhões aos Estados, a serem aplicados em “ações para a garantia do acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e aos professores da rede pública de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, em virtude da calamidade pública decorrente da covid-19”.

Seja por descaso com a educação pública, seja por negacionismo em relação à pandemia, o presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o PL 3.477/2020. Na mensagem de veto, o Executivo federal alegou que o projeto de lei destinando R$ 3,5 bilhões para ações de acesso à internet na rede pública de ensino não apresentou “estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro”.

Na apreciação do veto pelo Congresso, lembrou-se que o PL 3.477/2020 previu as fontes de recursos para o programa: o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e o saldo correspondente a metas não cumpridas dos planos gerais de universalização do serviço telefônico fixo. Na Câmara, foram 419 votos pela derrubada do veto contra 14 pela manutenção. No Senado, foram 69 votos favoráveis à derrubada e nenhum contrário.

Com o PL 3.477/2020, o Congresso não apenas previu a destinação de receitas para um tema fundamental nos tempos atuais, muito especialmente na pandemia. Para a tarefa educativa, é essencial que alunos e professores disponham de acesso à internet. Ao derrubar o veto, o Legislativo assegurou a aplicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Ao tratar da organização da educação nacional, a Lei 9.394/1996 determina que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino”. Ou seja, o regime de colaboração que deve haver entre as esferas da Federação não depende da disposição de cada ente, como se fosse possível não colaborar.

A colaboração é uma exigência da própria lei. Não cabe, portanto, ao Executivo federal negar a gravidade da pandemia, ignorando, por exemplo, que a atual situação sanitária traz novos desafios ao ensino, especialmente à rede pública – o que demanda políticas e investimentos adequados.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional também dispõe que uma das atribuições da União é “prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva”.

Tendo em vista esse dever legal, percebe-se que o Congresso atuou corretamente ao destinar R$ 3,5 bilhões para ações de acesso à internet na rede pública de ensino. A União tem o dever de prestar assistência técnica e financeira aos entes federativos. Se o governo federal não cumpre adequadamente “sua função redistributiva e supletiva” – como diz a lei –, é muito oportuno que o Congresso atue. Sem acesso à internet, a educação de crianças e adolescentes numa pandemia é uma ficção.

A história do PL 3.477/2020 mostra duas coisas. É mais um caso, dentre tantos, a confirmar a atuação omissa do governo de Jair Bolsonaro. E é mais um exemplo de que o Congresso nem sempre faz jus à sua fama negativa. Muitas vezes, é ele quem cuida do interesse público, proporcionando soluções concretas para os problemas nacionais.


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djaildo

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