13 de JULHO : ANIVERSÁRIO DA PROMULGAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

13 de JULHO : ANIVERSÁRIO DA PROMULGAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)
Redes Sociais


Comemora-se no dia 13 julho o Aniversário da Promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A partir da aprovação do ECA, em 13 de julho de 1990, foi garantida a doutrina da proteção integral aos direitos da criança e do adolescente, adequando a legislação nacional à Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, promulgada pelo Brasil em 1990.

WÂNIA ALMEIDA FAZ UM BALANÇO SOBRE OS 33 ANOS DO ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente representa um grande avanço na legislação especializada em Crianças e Adolescentes  no país, mas ainda há muito o que se fazer para que crianças e adolescentes não passem por situações de risco. É sobre isso que vamos conversar com Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida, sou pós-doutora em Ciencias Sociales, Humanidades y Artes (Posdoctorado del CEA: ciclo especial – “El trabajo en el contexto de los derechos humanos: Derecho, Economia, História”), pela Universidad Nacional de Córdoba, doutora e mestra em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e professora de Direitos Humanos e de Antropologia, Sociologia e Etnias. Minhas pesquisas acadêmicas envolvem Direitos Humanos e Diversidade além do Direito do Trabalho. Sou também advogada com atuação nas áreas trabalhista e cível.

1. Por que o ECA é considerado como uma revolução em relação às legislações anteriores? O que trouxe de novo para a proteção e o direito das crianças e dos adolescentes?     O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990) dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente, considerando-se criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e, adolescente, a pessoa com idade entre doze e dezoito anos de idade (art. 2º do ECA).O ECA constitui uma verdadeira revolução, porque foi a primeira legislação que assegura proteção integral da criança e do adolescente na América Latina, tendo, inclusive, servido de inspiração para outros países.O ECA regulamentou os arts. 227 e 228 da Constituição de 1988, que consagram a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, garantindo-lhes, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de proibir a negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão à criança e ao adolescente, sendo a responsabilidade por esta proteção atribuída à família, à sociedade e ao Estado.O ECA, assim como as previsões constitucionais citadas, não são frutos do acaso, mas da luta da sociedade em favor da criação de ambiente que favoreça o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social das crianças e adolescentes, em condições de liberdade e de dignidade, sem discriminação fundada em nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.Nesse sentido, o que o ECA contém de novo é o reconhecimento normativo de que crianças e adolescentes gozam de todos os direitos humanos e fundamentais, não só os que estão nele expressamente mencionados, como também aqueles reconhecidos por lei ou por outros meios.Ressalte-se que o ECA está em harmonia com Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, em que são afirmados alguns direitos humanos da criança e do adolescente. Esta Convenção determina que os Estados Partes adotem todas as medidas administrativas, legislativas ou de outra espécie com a finalidade de proteger, respeitar e promover a dignidade humana das crianças e adolescentes, por meio do reconhecimento de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.Anote-se que as crianças e os adolescentes, em especial aquelas e aqueles colocados em situação de maior vulnerabilidade, com a edição do ECA deixaram de ser considerados “menores em contextos de irregularidades e ilegalidades” e passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direito e sujeitos políticos e a ter direito à proteção integral. 2. Qual é o balanço que você faz relacionado a esses 33 anos de vigência do ECA? Quais são os principais avanços e conquistas alcançados por meio do ECA desde a sua implementação?O ECA é um avanço, mas precisamos avançar ainda mais, notadamente porque direitos reconhecidos por lei não são necessariamente direitos gozados pelos seus titulares. Direitos que não são efetivamente gozados não passam de simples aparência de direitos.Com efeito, muito dos direitos de que são titulares crianças e adolescentes carecem de efetividade.Nesse sentido, por exemplo, segundo o IBGE, em 2019 havia no Brasil 38,3 milhões de pessoas com 5 a 17 anos de idade, sendo que, deste total, 1,8 milhão estavam em situação de trabalho infantil, enquanto em 2016, cerca de 2,1 milhões de crianças eram submetidas a este tipo de trabalho. Ainda em relação a 2019 e conforme o IBGE, entre as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, 66,4% eram homens e 66,1% eram pretos ou pardos, proporção superior à dos pretos ou pardos no grupo etário dos 5 aos 17 anos de idade (60,8%%). (IBGE, 2020).Esses dados demonstram que, apesar da diminuição dos índices de trabalho infantil, o ECA ainda não está sendo cumprido, pois o seu art. 60 proíbe o trabalho ao menor de 14 anos de idade. Ademais, o ECA em seu art. 3º, parágrafo único, proíbe qualquer discriminação na fruição dos direitos fundamentais que assegura à criança e ao adolescente, mas os dados dão conta de que a maioria das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil é preta ou parda, o que autoriza afirmar que neste campo também se manifesta o racismo.Importa mencionar que, em 2019, na população de 5 a 17 anos de idade, 96,6% estavam na escola, mas entre as crianças e adolescentes sujeitas ao trabalho infantil, este percentual diminuiu para 86,1% (IBGE, 2020), o que indica que essas crianças e adolescentes, em razão do trabalho, têm prejudicado o direito à educação.Há um dado ainda mais alarmante. É que, segundo a UNICEF, o trabalho infantil aumentou significativamente em São Paulo durante a pandemia da Covid-19. (UNICEF, 2021). Portanto, crianças e adolescentes, além de se sujeitarem ao trabalho e terem prejudicado o direito à educação ainda eram submetidos a condições que colocavam em risco a sua saúde e vida, o que reforça a conclusão no sentido de que o ECA carece de efetividade plena.Nesta linha de raciocínio e tendo em vista o direito à educação, saliente-se que, em 1990, ano em que foi editado o ECA, aproximadamente 20% das crianças não estavam estudando. Em 2013, essa taxa era de 7%. O ingresso das crianças nas escolas fez com que a taxa de analfabetismo também diminuísse 88,8%: de 12,5% em 1990 para 1,4% em 2013. Entre os adolescentes negros, a taxa de analfabetismo diminuiu ainda mais: de 17,8% passou para 1,5%. Porém, mais de 3 milhões de meninos e meninas ainda se encontravam fora da escola, em sua maioria pobres, negros, indígenas e quilombolas. (UNICEF, 2019). Vê-se, assim, mais uma manifestação do racismo que afeta crianças e adolescentes.De outro lado, desde a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), é consenso entre os países que a criança e o adolescente têm direito a uma vida sem violência. No entanto, a realidade tem demonstrado que referido direito não tem sido respeitado. É que, segundo dados divulgados no 15º Anuário elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública: em 2020, ao menos, 267 crianças de 0 a 11 anos e 5.855 crianças e adolescentes de 12 a 19 anos foram vítimas de mortes violentas intencionais, isto é, 6.122 crianças e adolescentes morreram por causas violentas. Se comparado ao ano de 2019, esse número significa um aumento de 3,6% nas mortes violentas, sendo que o grupo etário de 0 a 11 anos apresentou aumento de 1,9% e o de 12 a 19, aumento de 3,6%. Há mais de dois anos, portanto, que morrem 17 crianças e adolescentes por dia no Brasil. A cada duas horas que passam, pelo menos, mais uma dessas vidas se perdem. (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2021).O citado Anuário também dá conta de que 75,7% das violências sexuais são contra menores de 18 anos. O que tem consequências trágicas, considerando que se estima que menos de 10% das violências praticadas contra crianças e adolescentes no Brasil são notificadas. De acordo com essas pesquisas: – 60,6% das vítimas tinham até 13 anos, perfil que vem se confirmando ano após ano; – 85,2% dos abusadores eram conhecidos, em sua maioria (96,3%) do sexo masculino, muitas vezes parentes, amigos ou outras pessoas próximas da vítima, o que torna qualquer denúncia ainda mais difícil; – 86,9% das vítimas é do sexo feminino; – 50,7% das vítimas são negras; a maioria dos estupros acontecem de segunda a sexta, nos períodos da manhã e tarde, quando os responsáveis saem para trabalhar. (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2021).O direito à vida e à integridade física e mental, dentre outros, estão assegurados no ECA, na Constituição Federal de 1988 e na Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), mas ainda temos violação a estes direitos diariamente no Brasil.Do ponto de vista dos avanços, vale destacar a criação dos Conselhos Tutelares, como órgãos de proteção dos direitos de crianças e adolescentes, a extinção do Código de Menores, norma jurídica destinada a manter a ordem social segregando crianças e adolescentes menores de dezoito anos que estivessem em situação de pobreza, abandono, maus-tratos no mesmo espaço que outros menores com infrações criminais, como furto ou roubo. 3. Quais são os principais aspectos do ECA que ainda precisam ser fortalecidos ou aprimorados? Por onde começar?É urgente e necessário combater a negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão de que são vítimas crianças e adolescentes, assim como é urgente e necessário combater a pobreza, a fome e as desigualdades sociais e assegurar que cada criança e cada adolescente no Brasil – em especial meninas e meninos negros, quilombolas, indígenas, com deficiência e imigrantes em situação de vulnerabilidade -, tenham acesso efetivo a todos os direitos humanos e fundamentais.As estatísticas mencionadas anteriormente indicam que ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Assegurar normativamente direitos é um começo, mas estes direitos devem deixar o mundo das normas para se inserir na realidade concreta das crianças e dos adolescentes.Nessa direção, é importante a implementação de políticas públicas que tenham como destinatários as crianças e os adolescentes.Também não se pode deixar de mencionar a necessidade de levar a sério a Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, na parte em que chama a atenção para a adoção de medidas que garantam uma vida saudável, promovam o bem-estar para todas e todos, inclusive, reduzindo a mortalidade infantil, propiciem educação de qualidade, garantindo o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, acabem com todas as formas de discriminação contra todas as meninas em toda parte e erradiquem o trabalho forçado, acabem com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, assegurem a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado.É preciso também fortalecer as redes de proteção aos direitos da criança e do adolescente, bem como as ONG’s cujos objetivos incluem esse grupo em situação de vulnerabilidade, como se vê do art. 86 do ECA.Destaque-se também os seguintes temas que merecem atenção especial: a inclusão digital e proteção da criança e do adolescente nas redes sociais, além do combate ao trabalho infantil que deve levar em consideração a necessidade de proteção social adequada, incluindo benefícios universais para crianças e adolescentes, o aumento de recursos para suprir os gastos com educação de qualidade e retorno de todas as crianças e todos os adolescentes à escola – incluindo quem estava fora da escola antes da pandemia de Covid-19, promoção de trabalho decente para adultos, para que as famílias não tenham que recorrer às crianças e aos adolescentes para ajudar a gerar renda familiar, o fim das normas prejudiciais de gênero e da discriminação que influenciam o trabalho infantil e investimento em sistemas de proteção infantil, desenvolvimento agrícola, serviços públicos rurais, infraestrutura e meios de subsistência. (OIT; UNICEF, 2020).Relevante mencionar que é muito importante que os compromissos assumidos no ECA sejam conhecidos por todos, crianças, adolescentes, movimentos sociais, empresas, escolas, políticos e demais integrantes da sociedade.É indispensável de qualquer forma fazer valer a responsabilidade social pela proteção social assegurada às crianças e dos adolescentes. Esta responsabilidade não é apenas do Estado, mas é de todos e cada um de nós.Nesse compasso, dispõe o art. 4º do ECA que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. (LEI 8.069, 1990).Proteger crianças e adolescentes é garantir um futuro mais rico e humano para todos e todas.4. Qual é a importância do ECA na formulação e execução de políticas públicas para crianças e adolescentes?O ECA pode e deve servir de parâmetro para a formulação e execução de políticas públicas voltadas para as crianças e adolescentes. Aliás, a formulação e execução de políticas públicas nesta direção constitui uma exigência do ECA, o qual vincula também o Estado, observando-se, neste aspecto, que o seu art. 7º estabelece que a efetivação dos direitos que reconhece deve ser realizada “mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. (LEI n. 8.069, 1990).Aponta no mesmo sentido, o art. 55 do ECA, segundo o qual constitui dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente ensino fundamental, obrigatório e gratuito, progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio e a atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.No entanto, as políticas públicas devem não só tornar concretos os direitos assegurados pelo ECA, mas educar a sociedade para protegê-los e fazer respeitá-los.Ressalte-se que, na medida do possível, as políticas públicas devem ser estabelecidas a partir do diálogo com crianças e adolescentes, para que eles também se sintam responsáveis pelo seu presente e futuro. A escuta aos destinatários da norma jurídica é essencial para a sua concretude.Não se pode deixar de considerar ainda a necessidade de assegurar o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, enquanto voltados à garantia de efetividade de seus direitos.Resta claro, assim, a responsabilidade social na proteção integral e na efetividade dos direitos assegurados às crianças e aos adolescentes. 5. Como o ECA se relaciona com outras legislações e políticas voltadas para a infância e adolescência, como a educação, saúde e assistência social?Como foi assinalado, o ECA se relaciona com normas supranacionais, estando também diretamente interligado com as políticas públicas de educação, saúde e combate ao trabalho infantil como medidas complementares e interdependentes.A relação do ECA com outras legislações e políticas públicas é reconhecido nele próprio, como se dá, por exemplo, com a previsão no sentido de que o direito à saúde e assistência social devem ser garantidos por meio do Sistema Único de Saúde (art. 11 e seu parágrafo 2º), assim como é nele estabelecido que nos casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (art. 13).O ECA também faz menção de que a proteção se dará por legislação especial, como é o caso da proteção ao trabalho dos adolescentes (art. 61), ou que o poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada (art. 74).Constata-se, ainda, que há um diálogo do ECA com outros ramos do Direito, a exemplo do Direito do Trabalho no que diz respeito ao trabalho do menor de 18 anos e maior de 16, e nos contratos de aprendizagem a partir dos 14 anos; do Direito Previdenciário, em relação aos direitos das crianças e adolescentes com deficiência, Direito Constitucional acerca dos direitos fundamentais e os direitos humanos, com a Convenção n. 169 da OIT (1989) que trata de alguns direitos humanos da criança e do adolescente indígena, dentre outras possibilidade de diálogo.Verifica-se, assim, que há um compromisso coletivo com um mundo mais justo e melhor também para a criança e o adolescente.


Redes Sociais

djaildo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *